quinta-feira, 22 de abril de 2010

O MAIOR RÁDIO DO BRASIL


O “MAIOR” RÁDIO DO BRASIL

Rádio móvel, com gira-discos e gravador

Lá na década de 30 a maioria das cidades do Brasil não passavam de pequenas vilas, essencialmente agrícolas e o “shoping center” local se chamava Armazém, era o ponto de encontro e todos sempre passavam por lá nem sempre para comprar, mas para tomar um trago e bater papo.

Todo visitante ao descer do trem ia logo ao armazém, e ter um dedo de prosa com o dono. Quase sempre o proprietário tinha suas origens além mar, majoritariamente português as vezes libanês. Todos também sabiam que ele era o homem mais bem informado, pois era uma espécie de ponte com o exterior. Precisa de batata? Vai lá no armazém! Tecidos, cachaça, ferramentas, botinas, fumo, brinquedos, bolacha? Vá lá, se não encontrar é só fazer o pedido e aguardar!

Pois bem numa destas pequenas cidades do interior de São Paulo onde todos se conheciam e colocar as conversas em dia era tradição, também é verdade que é terreno farto de fofoca e de repente começou a correr o boato que o Sr. Gomes dono do dito armazém havia comprado um rádio.

Muitas pessoas não sabiam o que era o tal do rádio, alguns já o tinham visto no cinema, mas cinema é pura fantasia. Uns poucos afortunados conheciam a capital São Paulo e tiveram a oportunidade de conhecer aquela estranha caixa falante .

Uns exaltados ao ouvirem a primeira explicação do que era um aparelho de rádio, logo soltaram: "Isto é coisa do demônio!"

Na verdade a grande maioria dos caipiras não tinham a menor capacidade de compreensão nem queriam saber o que era esse tal de rádio. Mas para outros curiosos o tempo havia parado há muito.

O tempo foi passando e o boato só fazia aumentar. Até que numa manhã finalmente chegou um telegrama confirmando que o tal aparelho tinha saído da América e estava no porto de Santos esperando ser despachado de trem. Apenas uma semana era o tempo necessário para chegar, quem esperou meses isto é quase nada.

Uma longa semana de muita ansiedade e alvoroço tomou conta da cidade, não tinha uma só conversa de comadres, vizinhos, amigos que o assunto era outro senão o tal do rádio. Até o Padre Afonso não suportou mais e foi ter com o Gomes:
“Sr. Gomes eu vim aqui pedir esclarecimentos, pois meus paroquianos estão muito preocupados com esse tal de rádio que o senhor comprou, alguns dizem que poderiam através dele ouvir pessoas de muito longe e até mesmo música! Isto é coisa do demo!"

Antes mesmo de terminar de falar, Apeou o Delegado de policia, já sabendo do teor sigiloso do telegrama e da presença do Padre ali. Posando de autoridade e apontando o dedo para o Gomes disse:
"Você não tem o direito de perturbar o sossego público!"

Obviamente muitos desocupados e outroscuriosos já lotavam o estabelecimento para tentar saber o motivo de estranha reunião no meio da tarde no armazém. Antes mesmo que Gomes tivesse tempo hábil para responder, a situação piorou.

Chega correndo Zézinho, o menino de recados da estação, abrindo espaço entre as pessoas disse:
“Seu Gomes o chefe da estação mandou avisar que chegou um caixote enorme para o Sr. retirar”.

Gomes só teve tempo de responder: "Já vou" e o povo num tremendo alvoroço foi saindo em direção à estação.

Ofereceram imediatamente uma carroça para o transporte do rádio, Dona Alzira a prestativa esposa de Gomes ouvia e via a confusão toda atrás da tênue cortina que separava o comércio da residência, arrumou uns cobertores para tentar proteger a encomenda durante o trajeto da estação ao armazém.

A frente o delegado com seu cavalo Brilhante, atrás uma pequena multidão se formava, na carroça iam Gomes, dona Alzira e o padre. O armazém ficara totalmente aberto, abandonado e vazio.

Frete pago mercadoria retirada e devidamente embrulhada em cobertores. A procissão aumentara substancialmente na volta e seguia lentamente, chegando junto com a noite. A cidade literalmente parou para ver a novidade passar.

Depois de carinhosamente desembrulhado, ligado e nada! O rádio não falava nada! Que decepção tão caro! Desliga, liga novamente e outra vez nada... continuava mudinho! Tanto tempo para chegar e nada de funcionar!

Um burburinho tomou conta do salão, ninguém sabia nada, mas finalmente deixaram as válvulas se aquecerem convenientemente e um pequeno chiado foi ouvido. De repente entra no ar uma estação com notícias. o povo estupefato calou-se! "Que maravilha, esta caixa fala!" Depois musica e mais musica, que alegria!

As horas foram passando velozmente e ao menos para os presentes já deixava de ser a tão esperada novidade, estavam sim loucos para irem embora e contar para os outros o que presenciaram. Até o Gomes teve tempo de fazer uma breve dissertação pelo menos em linhas gerais sobre o que era rádio como funcionava, muitos ficaram realmente de bocas abertas.

Os dias foram passando e cada nova noite um batalhão de novos ouvintes deliciava-se com a invenção do século. Dentre eles havia um ouvinte diferente era Gaudêncio conhecido como velho turrão.

Ele vinha já que anoitecia andava pra e pra cá, constantemente saía e dava a volta no armazém e sempre era o último a sair e novamente dava outra volta. Este comportamento assíduo veio porém a chamar atenção dos presentes e também do Gomes, mas... tudo bem é novidade e como tal nem todos hão de compreender.

Assim se sucedeu até que numa noite muito fria o Gaudêncio não entrou, mas ficou lá fora. João um amigo dele surpreso com a situação inédita foi a seu encontro e lhe perguntou:
"O que fazes aqui neste frio?" Gaudêncio tremendo e remoendo de ódio murmurou: "Hoje eu pego este português mentiroso, faz três semanas que ele está enganando todo mundo nesta cidade, menos eu. Pensa que eu não sei que aquele caixote envernizado com lâmpadas acesas é um engodo?"

João já habituado com a novidade rindo disse:
"Deixa para lá, aquilo é apenas um rádio que recebe a transmissão das estações e pronto".

Agora em tom mais alto Gaudêncio retrucou:
"Você é besta mesmo, deveria era arrastar arado na roça isto sim, não sabe que o Gomes anda escondendo gente atrás daquele caixote! Ali tem violeiro, sanfoneiro e até uma sirigaita, eu estou aqui fora porque vou ver esse povo sair e nessa hora vou fazer a maior arruaça!"

João riu descontroladamente, saiu e contou para todos sobre a simplicidade de Gaudêncio, que tornou-se a piada do ano.

O incrível foi que Gaudêncio ainda encontrou alguns adeptos de sua teoria. O tempo foi passando o noveleiro deixou de ser novidade e Gaudêncio depois de alguns anos já não era alvo das chacotas. Gomes entrou na história como o dono do primeiro rádio.

Ainda na minha infância os tios brincavam com a gente, quando reuníamos em torno do rádio (que era o único da família), dizendo que o locutor era um anão que morava dentro da caixa! FONTE :PEREIRA, J. Geraldo. O maior rádio do Brasil (2007). http://www.aminharadio.com/radio/brasil_radiomaior

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