sexta-feira, 14 de maio de 2010

O RASTRO DO COMETA HALLEY NA IMPRENSA


O rastro do cometa Halley na imprensa

Quando o cometa Halley passou próximo da orbita da terra em 1758 não existia imprensa no Brasil, nenhum meio de comunicação que repercutisse o assunto. Em 1834 o cometa cumpriu mais um de seus ciclos orbitais e desta vez a imprensa brasileira já existia, porém o assunto passou batido novamente. Justifica-se o silêncio da mídia, de um lado pela falta de uma cultura de jornalismo científico no país, do outro pela precariedade das comunicações com outros países.
O jornalismo científico ainda era incipiente, o “Jornal da Agricultura, Indústria e Comércio do Estado da Bahia” único órgão especializado do país, fundado em 1833, dedicava muito pouco espaço à astronomia, apenas algumas linhas sobre a influência dos astros nos plantios e colheitas. Quanto à comunicação com o mundo, ainda naquele tempo, as gazetas estrangeiras que chegavam nos navios, eram o único meio e fonte. Porém, na Europa e nos Estados Unidos assuntos científicos também eram muito pouco abordados pela mídia.
Outra era a realidade da imprensa brasileira quando o cometa fez a sua aparição em 1910 e se desta vez a passagem do astro foi um fiasco para a população, diante das expectativas criadas pela mídia, o Halley deixou rastros nos veículos de comunicação. Há exatamente um século, nesta época do ano jornais e revistas preocupavam-se com a campanha presidencial, que nem hoje, e como aperitivo ofereciam especulações em torno do cometa. Uma campanha incomum com mobilização popular, de um lado as oligarquias representadas por Hermes da Fonseca, do outro as oligarquias representadas por Ruy Barbosa; em todo caso uma disputa entre o militarismo e a sociedade civil, o verdadeiro pano de fundo.
A imprensa fazia ilações entre a campanha política e o acontecimento astronômico, através da verve irreverente dos chargistas de “O Malho”, “Careta”, “Revista da Semana” e “Fon Fon” (as revistas semanais) e da ironia dos cronistas do Jornal do Brasil, El Paiz, Jornal do Commercio e Correio da Manhã.
Lambido pela cauda
Fora o contexto político a imprensa se preocupava com os possíveis efeitos da passagem do cometa Halley que “O Malho” já anunciara no seu Almanaque de 1910 em novembro do ano anterior. A imprensa de fato comprou dos cientistas estrangeiros e vendeu para os brasileiros a idéia de um possível fim do mundo, a possibilidade de um choque entre o Halley e a terra: “O mundo ia ser lambido pela cauda venenosa do Halley. Dentro de pouco tempo nada mais existirá da triste humanidade nem sequer o vestígio das cinzas”, comentava “Fon Fon” para na mesma edição desmistificar o acontecimento diante do fiasco de milhares de pessoas que foram as ruas ver apenas um rastro: “Foi uma espiga. Grande decepção, não há duvida”. Uma foto na edição de “Careta” de 21 de maio de 1910 mostrava autoridades embaixo de guarda-sóis, aguardando o cometa passar.
Enquanto isso a imprensa ainda especulava sobre os gases venenosos do Halley, sobre a possibilidade do cometa ter sido o mesmo que anunciou aos Reis Magos o nascimento de Jesus e ainda especularia vinculando as mortes de Joaquim Nabuco no Brasil, Eduardo VII, Rei de Inglaterra e do escritor americano Mark Twain ao acontecimento, como conseqüência da entrada do astro na orbita terrestre. O jornal “O Paíz” por sua vez destacava a emoção do fato: É positivamente turbilhonante a preocupação universal com referência ao famoso “cabeleira” que mais uma vez visita nossos espaços, maravilhando as multidões que de dia e de noite, em todo o orbe, andam de nariz para cima, olhando, entre curiosas e um tanto impressionadas, o espetáculo soberbo de uma longuíssima faixa pálida, opalescente, aprumada por sobre um núcleo brilhante, enorme, mais denso que a faixa”.
O Halley pode ter sido uma decepção, mas deixou rastros na imprensa o verdadeiro mentor da expectativa criada na época. A mídia alimentou factóides em torno da aparição do cometa que já naquele tempo aprendia a lidar com a opinião pública. O Halley vendeu muitos jornais e revistas e foi um tema providencial para esfriar os ânimos após a contagem dos votos da eleição presidencial que analistas da época consideraram foi uma fraude. Rendeu muitas charges, crônicas, poemas, artigos e noticias. O Halley voltava em 1986, sem o mesmo alarde, num contexto de mídia mais amadurecida, desta vez apoiada num jornalismo científico já atuante em nosso país. Não mais se cogitava o fim do mundo, desta vez a imprensa aguardava e desejava o espetáculo, razão de ser da mídia de entretenimento.
FONTE : http://www.almanaquedacomunicacao.com.br/blog/?p=924

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