sábado, 7 de dezembro de 2013

Associação mapeia rádios comunitárias no país e cobra mudanças nas exigências

“Como se falar em uma comunidade de um quilômetro quadrado, se na região norte do Brasil há vezes que essa é a distância entre duas residências?” Assim, Pedro Martins, representante nacional da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc), questiona a legislação de outorga das rádios desse gênero no país.

Crédito:Divulgação
Rádio Novo Tempo, de Macapá (Amapá), incluída no mapeamento de rádios comunitárias da Amarc
Rádio Novo Tempo, de Macapá (Amapá), incluída no mapeamento de rádios comunitárias da Amarc


A legislação brasileira exige que as rádios comunitárias tenham alcance de no máximo um quilômetro, 25 watts de potência, o uso de um único canal de frequência em todo o país e registro de pessoa jurídica.

Crédito:Divulgação
Equipe da Rede de Comunicadores do Semiárido, em Belo Horizonte (Minas Gerais)
Rede de Comunicadores do Semiárido, em BH (MG)
No entanto, se para as rádios em regiões urbanas já é difícil solucionar e conviver com as exigências para a outorga, em regiões rurais e de terras tradicionais, como de indígenas e quilombolas, é muito pior. Assim, a Amarc defende uma diferenciação das exigências nesses casos, em que os cidadãos, apesar de constituírem comunidades reais, morarem bem mais afastados uns dos outros.
O movimento com essas reivindicações partiu de uma pesquisa indicando que, entre as cerca de 4,6 mil rádios comunitárias outorgadas, só existem duas em assentamentos rurais, uma em terras indígenas e nenhuma em terras quilombolas. Outras cerca de 6 mil também existem, mas sem outorga.
Crime quase só no Brasil
“Há pedidos [de novas outorgas] há 15 anos esperando no Ministério da Comunicações”, diz Martins, inconformado. “Outras optam até por nem entrar com pedido de outorga, sabendo que isso poderia ajudar a polícia federal a localizá-las e fechá-las”. Afinal, essas rádios são consideradas pelo governo como ação criminosa, o que seria atitude raríssima no mundo.
Segundo o representante da ONG, além do Brasil, só conhece outro país — Guatemala — que considere crime a manutenção desse tipo de rádio. Em outros países, haveria apenas uma sanção administrativa. Um projeto de lei que descriminalizaria essas rádios sem outorga até passou em primeira votação na Câmara dos Deputados, mas foi derrubado no Senado e em segunda votação na Câmara, segundo Martins, por causa do lobby empresarial.
Um caso emblemático que ocorreu neste ano foi o da rádio indígena Mapucho, no Chile. A Organização das Nações Unidas interveio para que o governo garantisse o direito da rádio comunitária de funcionar. Para Martins, o rádio é uma importante ferramenta para as comunidades indígenas, quilombolas e de assentamentos defenderem seus direitos à comunicação, terra e cultura.

Crédito:Reprodução
Mapa das rádios comunitárias brasileiras
Mapa das rádios comunitárias brasileiras
Seminário e movimento
Para lutar por modificações nessa situação, a Amarc montou, em 29 de agosto, um seminário em Belém (PA), com a participação de representantes do Ministério das Comunicações e da Cultura, além de representantes de rádios e de comunidades do interior. Martins diz que o governo ofereceu capacitação para que os candidatos a montar novas rádios aprendam a submeter a documentação. “Mas isso não é suficiente, as normas precisam mudar”, insiste.
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Rádio comunitária Nova Era, em Tarauacá, no Acre
Rádio comunitária Nova Era, em Tarauacá, no Acre
O projeto em si foi iniciado em julho, quando começou a articulação do evento com representantes do o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), indígenas e quilombolas. Há mais dois anos previstos para atividades nessa área, buscando uma atuação colaborativa com as próprias rádios. O objetivo é fazer com que as comunidades se reconheçam num mapa online e exista uma base de dados para que elas possam interagir.
O representante da Amarc admite que isso pode ser perigoso para as rádios sem licença, pelo risco de a Polícia Federal as localizarem e fechá-las. Tanto que existe a opção para elas aparecerem ou não. No entanto, para ele, é uma questão de mostrar que elas existem, que são rádios comunitárias e que o governo não garante esse direito.
Como próximos passos, a associação conversa com uma professora da Universidade Federal do Pará, para analisar ferramentas, checar as demandas de comunidades, inclusive em mais encontros presenciais e propiciar formação de gestão comunitária. Também busca articular as diferentes comunidades por meio das associações já existentes, como a Conaq (Coordenação Nacional das Comunidades Quilombolas) e o MST. Mais financiamentos são buscados; para o seminário já realizado, houve patrocínio de uma fundação alemã.
Martins também comemora a Lei de Meios aprovada na Argentina, que restringiu a concentração de outorgas de meios de comunicação nas mãos de poucas empresas, como o do grupo Clarín. “Claro que eles ficaram insatisfeitos; se tinham umas 200 a 250 concessões, agora vão poder ficar só com 24.
Um relatório sobre os avanços do projeto pelas rádios comunitárias está previsto para ser divulgado em janeiro de 2014.  

Por Maurício Kanno

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