segunda-feira, 30 de novembro de 2009

PRESERVANDO A HISTÓRIA DO RÁDIO


Preservando a história do rádio
Pouco se faz para preservar a história do rádio e do País
"Uma cabeça sem memória é um forte sem guarnição".
"Meu destino é o oposto dos outros. A queda os degrada, a minha queda me alça até as estrelas. Cada dia que passa faz cair meu hábito de tirano,de assassino, de homem feroz". Napoleão Bonaparte.
Napoleão era um homem de largo alcance. Digo-o com a ressalva que ele mesmo nos legou: "Em História e em Filosofia, o ceticismo é uma
virtude". Calma, leitor, não vou enxovalhar este artigo com uma magnífica demonstração de falta de originalidade. No entanto, é preciso
refletir sobre as duas citações que serviram de antepasto ao lead.
Nos dias de hoje soa redundante afirmar que a memória é fundamental para a evolução de um povo. Trata-se de um conceito vetusto,e, para terror de Nelson Rodrigues, deve estar à beira da unanimidade. Portanto, não há nada de novo nisso, o que já basta para provocar a má-vontade dos profissionais de comunicação.
Chamo a atenção, contudo, para a segunda assertiva do tirano. Exímio manipulador das massas, Napoleão referia-se ao lado bom -para ele - do
esquecimento. As duas frases são aparentemente inconciliáveis, mas convergem para um ponto de fuga: na guerra da sobrevivência, a memória é uma arma; e quem não a tem é vulnerável.
O Brasil é um país sem memória (pronto, mais uma frase surrada). Há muito se fala nisso, sobretudo em época de eleição. Ansiosa por realizar seu destino, a mídia aponta suas baionetas para os cérebros ocos, não com a intenção de destruí-los, mas cutucá-los com as informações sobre os candidatos e o faz nem neutralidade, obviamente.
Tamanha determinação pressupõe mais duas virtudes: contar com um bom"suporte logístico" e "dar o exemplo às tropas".
Mas a guerra é mesmo incongruente. Atemo-nos ao rádio brasileiro. Não muitos anos atrás imperava a mentalidade de que o que conta é o "grito do general", a ênfase, os argumentos, o carisma do apresentador.
Com o tempo o ouvinte foi-se tornando mais exigente, não só por ter mais acesso à informação: a concorrência entre as emissoras aumentava, e com isso a busca pelo aprimoramento da informação.
O arquivo despontou recentemente, mas na televisão, cuja força econômica era superior à do rádio. "Arquivo é caro, e não basta substituí-lo pelo âncora", afirma hoje o jornalista e professor de História, Heródoto Barbeiro (Rádio CBN e TV Cultura de São Paulo).
Atualmente apenas as grandes emissoras de rádio têm investido no armazenamento da informação- as menores, em sua maioria, ainda lutam
para manter suas portas abertas, e apostam no improviso.
Ainda assim, são poucos os grandes veículos que merecem uma medalha. Em São Paulo, destacam-se as rádios Jovem Pan e Bandeirantes. "A que tem a maior preocupação em preservar a história", orgulha-se o editor-executivo da última, João Marcos dos Santos. Ele explica que usa
permanentemente o arquivo para comparar fatos novos com os antigos. "Por isso não adianta, em época de campanha, o candidato prometer que vai brotar água no deserto. Três anos depois, a gente põe a promessa no ar", diverte-se.
Essa, no entanto, é mesmo uma exceção. "Quando o pesquisador se debruça sobre a história recente acaba consultando apenas os arquivos dos
jornais e os livros", queixa-se Laurindo "Lalo" Leal Filho, professor de Jornalismo da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São
Paulo.
A "logística", portanto, tem deixado a desejar. Vamos então ao "exemplo do comandante". O que o rádio sabe sobre si mesmo, tornando-se
respaldado para cobrar mais memória ao País? Não muito.
São sobretudo as iniciativas particulares que o tem resgatado da amnésia. Como a do jornalista Milton Parron (veja box), que tem mais de
6 mil registros sonoros em seu arquivo pessoal, resultado de um esforço heróico de décadas.
O Museu da Imagem e do Som (MIS) do Rio e de São Paulo também verteram "sangue, suor e lágrimas". O primeiro, uma fundação, tem um acervo sonoro considerável; o de São Paulo, vinculado à Secretaria Estadual da Cultura, debate-se contra a falta de verba.
Mas seus funcionários não se entrincheiraram. Conseguiram estabelecer o Projeto de Memória Oral, bastante procurado por estudantes do segundo grau e universitários em busca de material para trabalhos de curso. Lá é possível ouvir depoimentos de antigos radialistas como Nicolau Tuma, Casimiro Pinto Neto e o "repórter Esso" Fábio Peres; "jingles"da década de 60; e músicas e entrevistas com cantores e atores do rádio das décadas de 30, 40 e 50.
Sabe-se, entretanto, que o rádio precisa de muito mais. "Não sinto mudanças expressivas. O esforço de algumas pessoas é grande, mas elas
estão pouco instrumentalizadas", endossa o diretor do MIS de São Paulo, Marcos Santilli, que revela uma barreira crucial: "A memória tem pouco apelo para o patrocínio".
Voltamos à estaca zero: "O Brasil é um país sem memória". Frase, aliás, que irrita o radialista Walter Silva, um dos importantes colaboradores
do MIS. "Memória nós temos e muita, o que é preciso é saber cultivá-la".

No plano individual não é difícil perceber a despreocupação. Tome-se o exemplo do jornalista. É raro o repórter que no dia-a-dia alimenta o
hábito de organizar um arquivo pessoal. "Procuro incentivá-los a guardar material para as 'suítes', mas reconheço que acabam engolidos pelo furacão da pressa e do excesso de informação", afirma João Marcos dos Santos, da Bandeirantes.
Heródoto Barbeiro também constata essa lacuna, mas enfatiza a displicência cultural de muitos jornalistas. "Observe algumas perguntas
que são feitas, por exemplo, numa coletiva com o ministro da Fazenda: são vergonhosas e denotam a falta de preparo do repórter".
Fatos como esse demonstram que a hipocrisia habita a consciência da mídia quanto à falta de memória da sociedade. Não compreendeu ainda que um exército não é feito só dos "outros soldados".
E vencer essa guerra exclui a autocondescendência dos que, a exemplo de
Napoleão, acham natural "o sol ter lá suas manchas'.
De Grão em Grão
Tudo começou por vaidade. "Por lamber a cria", como costuma dizer o jornalista Milton Parron, das rádios Bandeirantes e USP, ambas de São
Paulo. No início de sua carreira vitoriosa que abriga dois prêmios Roquete Pinto- , Parron guardava suas entrevistas "para mostrá-las à
família e aos amigos".
Hoje, quarenta anos depois, mantém um acervo particular com mais de 6 mil registros sonoros. Em meio a tantas relíquias, encontram-se
discursos como o do Barão do Rio Branco (1915), sobre o alargamento das fronteiras do País, e o de Rui Barbosa (1917), homenageando o "Dia da
Mulher".
Há ainda uma conversa telefônica entre os governadores Ademar de Barros, de São Paulo, e Carlos Lacerda, da Guanabara. Eles conspiravam pelo Golpe de 64. O curioso diálogo foi gravado numa escuta clandestina (sim, já naquela época) realizada no Palácio dos Bandeirantes, a sede do governo paulista:
Ademar: - Isso (as ações do golpe) vai terminar antes da hora.
Lacerda: - Melhor terminar em festa que em sangue.
Otimistas, não?
O jornalista também arquivou a primeira leitura radiofônica do AI-5, o ato institucional que, no Governo Costa e Silva, afundou de vez o Brasil no charco da ditadura. Na gravação, o radialista Almir Guimarães declina a relação de cassados pelo Regime Militar, entre os quais o atual governador de São Paulo, Mário Covas.

São muitos os registros, grande parcela deles de vivo interesse histórico. Há 16 anos Parron usa esse material no programa "Memória",
que atualmente apresenta na Rádio USP. Muito procurado por estudantes, o jornalista diz que não sabe dizer não quando lhe solicitam cópias dos registros. Parron aprecia o denodo desses jovens pesquisadores a minoria da minoria no Brasil. "Porque há muita gente imbecilizada, que
confunde resgate histórico com saudosismo", desabafa. Ele também clama por mais investimentos nessa área, mas reconhece que é uma voz isolada. "Não há interesse do empresário, não há compromisso com a memória do País".
Fonte: Revista Imprensa, edição nº 142.
Autor: José Paulo Lanyi, escritor.
fonte:www.fabiopiraja.com

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