quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Ser jornalista não é sinônimo de sofrimento, dizem criadores do Tumblr 'Baiacu'



Quem nunca sentou numa mesa de bar com os amigos e, discutindo a profissão, decidiu fundar um projeto paralelo? Em geral essas boas ideias acabam se perdendo em guardanapos usados no fim da noite ou em vagas lembranças na manhã seguinte. E foi assim também com Jorge Wakabara, Mariana Tavares e Raul Andreucci, três ex-colegas de jornalismo da PUC-SP. “Devemos ter ido um com a cara do outro e a cerveja ajudou a quebrar qualquer inibição”, contam.
Baiacu é o nome do projeto que, depois de alguns anos na gaveta, acabou virando um tumblr há três meses. “Escolhemos, não à toa, como carro-chefe da Baiacu, uma grande entrevista a cada tema. São pessoas, geralmente, pouco conhecidas do grande público e figurinhas pouco carimbadas na agenda dos jornalistas. Gente menosprezada ou preterida, mas que acreditamos ter tanto ou mais a falar do que outros mais famosos, por sua experiência de vida e/ou conhecimento de determinado assunto”, explicam.
Crédito:Arte em Arquivo Pessoal/Aurea Calcavecchia
Raul Andreucci, Jorge Wakabara e Mariana Tavares: juntos criaram A/O Baiacu

Além de formados em jornalismo pela PUC-SP, Mariana Tavares, 28 anos, também é formada em Ciências Sociais na USP e já trabalhou em ONGs, na editora Boitempo e uma agência de comunicação especializada em sustentabilidade; Jorge Wakabara, 32 anos, é formado em publicidade pela ESPM e hoje está no cargo de editor-chefe do site Lilian Pacce, que também é o canal de moda do MSN; já Raul Andreucci, 28 anos, é mestrando no Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais também na PUC-SP, com passagem por Lance!, Folha de S.Paulo ePlacar, além de freelas para as revistas Caros Amigos e Brasileiros.

Juntos, têm despertado o interesse de colegas de profissão renomados, como Erika Palomino, publisher da L´Officiel Brasil, e provocado uma nova forma de pensar e fazer jornalismo.

Confira entrevista de Raul Andreucci, Jorge Wakabara e Mariana Tavares à IMPRENSA:
IMPRENSA - Do que vocês sentiam falta quando decidiram criar o Baiacu? 
Baiacu - A/O Baiacu é uma vontade de empreender ideias sem os limites e a censura de uma redação. Uma abertura sincera de cada um para experimentar, errar, acertar, aprender e crescer com algo diferente do que vimos na faculdade e nos acostumamos a fazer profissionalmente. Exatamente porque sentimos falta de debate, de uma pluralidade de entrevistados, de certa diversidade no conteúdo. E por isso que a cada tema levamos o nosso tempo, sem pressa. Para realmente expandir, como o peixe que nos simboliza. 

E como funciona?
O foco do Baiacu divide-se em ciclos, que, pela nossa experiência até o momento – vamos completar três meses em 3 de outubro – dura aproximadamente 20 dias. Cada ciclo diz respeito a um tema. E cada tema tem uma grande entrevista realizada por nós três, ao vivo, como carro-chefe desse ciclo. Aí fazemos assim: começamos o ciclo postando materiais de referência (áudios, vídeos e textos) relativos ao tema e a pontos que surgiram do papo com o entrevistado; divulgamos a grande entrevista; e continuamos postando material até começar um novo ciclo. Atualmente, estamos falando de jornalismo/jornalismo independente/futuro do jornalismo/papel do jornalismo, mas antes abordamos mulheres na política/militância política por meio de partidos/feminismo/manifestações de junho e, no primeiro, cura gay/gênero/sexualidade. O foco, portanto, vai ao sabor da brisa (a nossa brisa, claro).

Recentemente vários posts têm sido dedicados à discussão do jornalismo. Falta esse tipo de debate entre os colegas de profissão? 
Com a discussão sobre a Mídia Ninja e a mídia independente em geral, o debate voltou a ser quente. Chacoalhou, as pessoas ficaram mais empolgadas para falar sobre o assunto. Mas a gente achou que o debate seguiu por outros caminhos e acabou se perdendo uma oportunidade muito importante de um debate público sobre o jornalismo em si.
O problema, na verdade, é o debate ficar só nisso e depois voltar ao café, à salinha dos fumantes ou à pose de jornalista sadomasoquista que adora ser esfolado e dizer para todo mundo o quanto é esfolado e o quanto isso faz dele um jornalista de verdade. Sabemos que profissionais do mercado e professores de faculdade insistem em ensinar que devemos deixar nosso sangue na redação. E não se trata de fazer corpo mole, mas alguém precisa avisar à nova (e à velha) geração que ser jornalista não é sofrer, não é trabalhar em condições cada vez mais precárias, não é ficar sem receber horas extras, não é sofrer assédio moral e não é deixar de viver e muito menos deixar de fazer o que realmente é jornalismo. 

Como essa discussão pode ser vista do ponto de vista prático?
Onde já se viu passar o dia enfurnado numa redação só falando no telefone, Skype, Messenger e Facebook? A vida não acontece só no virtual. E, mais do que o debate, talvez falte se reunir com um objetivo prático, colocar a mão na massa. E não adianta o Baiacu, por exemplo, bater o pé e recusar condições de trabalho absurdas se sempre vai ter alguém que aceite. Assim nunca vamos conseguir brigar para que todos ganhem. Por isso, cabe aqui dizer que iniciativas de greve dos trabalhadores das redações, como a que está em curso no Diário do Pará, são superimportantes!

Com a redução de jornalistas das redações e a falta de resposta para publicidade na internet, como vocês imaginam um modelo de negócio de sucesso para o jornalismo online?
O Baiacu tem tendências pessimistas, realistas e otimistas. Mas é difícil não crer que o mercado só tende a piorar, com mais demissões, mais corte de gastos, mais tarefas para quem continua empregado e piora na qualidade da produção jornalística. A luz no fim do túnel é que essa crise obrigue muitos, como nós, inclusive, a se mexer e empreender. Aí, quem sabe, possa surgir uma alternativa, inclusive que não tenha de se submeter à publicidade como forma de financiamento, que promova mais solidariedade e conteúdo colaborativo (e menos competitivo) entre redações. Tomara. Ainda estamos como a maioria, tentando entender como se encaixar e fazer do jornalismo algo que faça a diferença. Para isso, a gente procura acompanhar o que está posto no cenário como alternativas relevantes. 

Outra discussão que cresce é sobre o papel do jornalismo de moda. Falta um amadurecimento dos jornalistas que fazem a cobertura ou dos próprios veículos? 
Falta tudo, mas a crise é geral. O fato é que o que dá audiência hoje em dia, não só no jornalismo de moda como em outras editorias, pode cair no sensacionalismo, no culto às celebridades, na notícia “fácil”, superficial. Não sabemos se é falta de amadurecimento, sentimos que é mais uma questão de falta de questionamento no dia-a-dia, de senso crítico. De reflexão a respeito da linha editorial. 

Existe preconceito no meio acadêmico de comunicação com a área de moda?
Não sabemos se existe preconceito no meio acadêmico. Na verdade, o que sentimos é que o meio acadêmico gosta mesmo é do jornalistão, da cobertura de guerra, do jornalismo investigativo ou de política. Mas também tem o fato de que não se toca no assunto do jornalismo de moda na graduação: para que ele serve, é importante? Qual é a sua importância? Ao mesmo tempo, nunca tivemos essa discussão sobre o jornalismo esportivo na faculdade. São editorias que existem, mas que na graduação nos parecem mesmo meio ignoradas - não se fala bem, não se critica, simplesmente não se fala. Sendo que, quando bem feitas, com um olhar mais crítico e com mais apuração, essas editorias podem levantar debates importantíssimos para o coletivo.

Dos tempos de faculdade até hoje, em que percepção do jornalismo mudou para vocês? Onde vocês querem estar daqui há 10 anos? 
A percepção do jornalismo não mudou, o que mudou foi a percepção de como é o dia a dia do trabalho, em que isso implica, no que você tem de ceder em relação às suas convicções. Há uma certa desilusão ao encarar essa realidade de frente, não dá para negar. Depois, por outro lado, vem uma esperança de que dê para tentar fazer diferente. E é o que estamos tentando. Tomara que funcione. Ou daqui a dez anos podemos estar bem longe do jornalismo! 

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