sábado, 16 de julho de 2011

O retorno do jornalismo às origens

Internet e democratização da notícia trazem de volta o clima dos cafés e tavernas do século XIX

Há trezentos anos, as notícias viajavam pelo boca-a-boca ou por cartas, e circulavam por tavernas e cafés na forma de panfletos, boletins e cartazes. Tudo mudou em 1883 quando o primeiro jornal de massa, o New York Sun, foi um pioneiro no uso da propaganda para reduzir os custos das notícias, e dando um público mais amplo aos publicitários. Na época de seu lançamento, o jornal mais vendido dos Estados Unidos vendia 4500 cópias diariamente, mas rapidamente atingiu 15 mil vendas diárias. A pequena imprensa, seguida pelo rádio e a televisão, transformou as notícias em uma conversa de duas vias, em uma transmissão de mão única, com um número relativamente pequeno de empresas controlando a mídia.




Na maior parte do mundo, a mídia de massa está prosperando. A circulação de jornais cresceu globalmente em 6% entre 2005 e 2009, ajudada por uma forte demanda em locais como a Índia, onde 110 milhões jornais são vendidos diariamente. Mas os números globais mascaram um alto declínio na leitura nos países ricos.



Leitores viram produtores



Na década passada, no mundo ocidental, a população vem desistindo dos jornais e dos noticiários televisivos, e se mantendo atualizada de maneiras diferentes. Mais incrivelmente, pessoas comuns estão cada vez maios envolvidas no processo de compilar, compartilhar, discutir e distribuir as notícias. O Twitter permite que pessoas em qualquer parte do mundo relatem o que estão vendo. Documentos secretos são publicados incessantemente na internet. Filmagens realizadas com telefones celulares das revoltas no mundo árabe e dos tornados norte-americanos são disponibilizadas nos sites de redes sociais. Um vídeo amador registrado durante o terremoto do Japão foi assistido mais de 15 milhões de vezes no YouTube. Projetos de crowdsourcing juntam leitores e jornalistas que analisam toneladas de documentos, que vão das contas dos políticos britânicos aos e-mails de Sarah Palin. Redes sociais ajudam as pessoas a encontram, discutir e compartilhar as notícias com seus amigos.



E não são apenas os leitores que estão desafiando a elite midiática. Empresas de tecnologia como o Google, o Facebook e o Twitter se tornaram importantes (e, dizem alguns, importantes até demais) ferramentas de disseminação das notícias. Celebridades e líderes mundiais, incluindo Barack Obama e Hugo Chávez publicam updates diários nas redes sociais; muitos países agora disponibilizam por meio de iniciativas de “governo aberto”. A internet permite que as pessoas leiam jornais do mundo todo: o Guardian, um jornal britânico, agora tem mais leitores online no exterior do que no Reino Unido. A internet também permitiu que novos provedores de notícias, de blogueiros individuais a sites como o Huffington Post, ganhassem destaque em um curto espaço de tempo, e tornou possível uma nova abordagem do jornalismo, como o praticado pelo WikiLeaks, que deu às fontes uma nova maneira anônima de publicar documentos. O rumo das notícias não é mais controlado por poucos barões da mídia e empresas estatais como a BBC.



Os riscos do novo jornalismo



A princípio, todo liberal deveria celebrar esse cenário. Um ambiente de notícias mais participativo e social, com uma impressionante diversidade e amplitude de fontes, é uma coisa boa. Um texano que antes dependia do Houston Chronicle para interpretar o mundo agora pode coletar informações de toda uma enorme gama de diferentes fontes. Ditadores autoritários ao redor do planeta agora têm mais a temer. E daí, dirão vários, se agora os jornalistas têm carreiras menos estáveis? Mas duas preocupações surgem nesse novo cenário do jornalismo.



A primeira delas é a perda do “jornalismo confiável”, que detém o poder da credibilidade. A queda nas receitas reduziu a quantidade e a qualidade do jornalismo investigativo e das reportagens políticas locais na imprensa escrita. Mas o jornalismo da velha gurda nunca fui o exemplo de moral que os jornalistas adoram acreditar que foi. De fato, o News of the World, um jornal britânico que foi pego grampeando telefones celulares é uma tradicional fonte de escândalos. E nesse meio-tempo, a internet está produzindo novas formas de credibilidade. Um grupo cada vez maior de sites como o ProPublica, a Sunlight Foundation e o WikiLeaks estão ajudando a preencher o vazio deixado pelo declínio da mídia investigativa. Esse ainda é um trabalho em desenvolvimento, mas os graus de atividade e experimentação dão motivos para o otimismo.



A segunda preocupação tem a ver com a parcialidade. Na era da mídia de massa, monopólios locais deveriam ser relativamente imparciais para maximizar seu apelo para leitores e publicitários. Em um mundo mais competitivo, o dinheiro parece estar criando uma câmara de eco para os preconceitos: dessa forma, a Fox News, um canal de notícias da TV a cabo norte-americana tem lucros maiores que CNN e MSNBC – seus rivais mais moderados – juntos.



De certa forma, a disponibilidade cada vez maior de notícias parciais é bem-vinda. No passado, muitas pessoas – em especial, norte-americanos de direita, já que a maior parte da televisão norte-americana era inclinada mais à esquerda – não tinha anda que refletisse suas visões. Mas à medida em que as notícias ganharam uma carga maior de opinião, tanto a política quanto os fatos passaram a pagar um preço alto: é só observar quantos conservadores norte-americanos insistem na ideia de que Barack Obama não nasceu nos Estados Unidos, e a recusa em aceitar o fato de que os impostos devem aumentar no país.



O que deve ser feito? No nível social, não muito. A transformação do mundo da notícia é incontrolável, e as tentativas de revertê-la estão fadadas ao fracasso. Mas há pequenos passos que podem ser dados para conter essas preocupações. Como produtores do novo jornalismo, os indivíduos podem ter escrúpulos com os fatos e transparência com as fontes. Como consumidores, podem ser universais em seus gostos e exigentes em seus padrões. E embora essa transformação gere preocupações, há muito a ser celebrado no barulhento, diverso, voraz, argumentativo e berrante ambiente do mundo das notícias na era da internet. A era do boca-a-boca nos cafés voltou.
 
fonte :The Economist - "Back to the coffee house" 
          http://opiniaoenoticia.com.br/brasil/politica/o-retorno-do-jornalismo-as-origens/  8/07/2011

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