sábado, 6 de dezembro de 2014

Demora nas outorgas de rádios comunitárias preocupa entidades do setor

Os militantes do movimento das rádios comunitárias chamam a atenção para os motivos que levam as rádios a entrar na criminalidade, como a demora no processo de outorga, e, por outro lado, a importância desses veículos para a garantia do direito à liberdade de expressão.
Rádio ComunitáriaRádio Comunitária / Agência Brasil

Em relatório produzido pela Artigo 19, em parceria com a Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc) e Movimento Nacional de Rádios Comunitárias (MNCR), o caso da Rádio Comunitária Coité FM, de Conceição do Coité, na Bahia, é citado para ilustrar a situação.
O pedido de outorga foi feito há 15 anos, mas até agora a licença não foi liberada. Ao longo desse período, a emissora foi fechada três vezes. O seu diretor está tendo que responder judicialmente por crime federal.
Segundo a advogada da Artigo 19, Karina Ferreira, as organizações levarão o processo à Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). Isso porque elas avaliam que, no Brasil, o que tem ocorrido é “uma violação ao direito à liberdade de expressão”, indo de encontro ao que estabelecem as resoluções internacionais.

As entidades também criticam a postura da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), órgão que tem a responsabilidade de organizar a exploração dos serviços de telecomunicações e que, por isso, fiscaliza o uso do espectro de radiofrequências.
“A Anatel só faz fiscalização punitiva. A gente defende que o Estado use a agência reguladora para fazer fiscalização educativa, mas a Anatel adota a fiscalização sobre as rádios comunitárias como punição sumária”, disse o coordenador executivo da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), José Sóter.
Ele avalia que muitos dos problemas verificados pelos agentes são técnicos e poderiam ser resolvidos por meio dessa política educativa. Diz ainda que a agência poderia aplicar outras sanções, como advertências, em vez de multas.
Em resposta à indagação da Agência Brasil sobre o tema, a Anatel informou que os procedimentos de fiscalização adotados pelos seus agentes são feitos dentro da legalidade e da segurança jurídica e passam por consulta interna. "Esclareça-se que os fiscais apenas vistoriam uma estação de radiodifusão com a presença e o consentimento do representante da entidade no momento da fiscalização”, disse.
Segundo o ente regulador, os fiscais têm prerrogativa para promover a interdição de estabelecimentos, instalações ou equipamentos, apreender de bens ou produtos e requisitar, quando necessário, o auxílio de força policial, “em caso de desacato ou embaraço, ao exercício de suas funções”. Em caso de críticas à conduta dos agentes, diz a Anatel, as reclamações são encaminhadas e tratadas pela corregedoria da agência.
O Ministério das Comunicações, responsável pelo setor de radiodifusão, tem promovido mudanças nos critérios de outorga, a fim de simplificar o processo de renovação e acelerar a liberação de licenças. Desde 2011, portarias permitiram que o apoio cultural pudesse ser dado por entidades de direito público e também de direito privado, ampliaram a compreensão do raio de abrangência, que deve considerar não apenas o limite colocado pela lei, mas as características da área onde está sendo executado o serviço, dentre outras alterações.
Para os comunicadores, contudo, as mudanças ainda são insuficientes. “Assim como a terra é finita e tem que ser dividida, o espaço que existe no espectro deveria ser passível de uso e usufruto de muitas pessoas”, destacou João Francisco, defendendo a necessidade de mudanças legais que promovam e não restrinjam a prática da comunicação comunitária.
Do mesmo modo, as entidades vinculadas à Abraço promovem campanha de coleta de assinaturas em apoio a um projeto que reúne propostas de mudanças na Lei 9.612, que instituiu o serviço de radiodifusão comunitária. “Nós temos plena convicção de que o foco para poder aperfeiçoar e melhorar o serviço de radiodifusão comunitária é o Congresso Nacional, com a mudança da Lei 9.612 e seus dispositivos restritivos”, defende Sóter.
Agência Brasil procurou o Ministério das Comunicações para falar sobre a situação das rádios comunitárias, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria.

Agência Brasil

Rádios comunitárias e livres lutam contra criminalização da atividade


Rádios Comunitárias /Agência Brasil


Desde os anos 1970, as rádios sem fins lucrativos se multiplicaram pelo Brasil, seja como comunitárias, quando têm autorização para funcionamento, ou livres, termo que se refere àquelas que ocupam o espectro eletromagnético mesmo sem permissão legal. Desde sempre, a preocupação foi falar para públicos específicos, permitindo o debate e a discussão da cidadania.
Ainda hoje, quando o rádio para alguns se tornou coisa do passado, usar o transmissor para se comunicar é única opção para muitos grupos sociais. Para eles, é preciso valorizar a comunicação comunitária, garantindo espaço e meios para que esses veículos possam multiplicar as vozes que circulam na mídia e produzir um conteúdo que, muitas vezes, não entra na agenda dos meios comerciais.
A batalha para manter os veículos de comunicação em atividade, entretanto, é dura. As organizações apontam que as rádios e os comunicadores têm sido criminalizados. Grupos que reúnem ativistas ou veículos de comunicação comunitária, como a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), apontam dificuldades para a obtenção da outorga e criticam as restrições impostas pela Lei 9.612/98, que regulamenta o serviço. A lei proíbe veiculação de publicidade e estabelece limite de potência de 25 watts e abrangência de 1 quilômetro para a emissora comunitária.
Uma das rádios livres mais antigas e em operação no país, a Rádio Muda, desde meados dos anos 1980 funciona no interior da torre da caixa d'água da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). João Francisco*, que integra o coletivo que produz a rádio, conta que o veículo nasceu com o objetivo de lutar pela liberdade de expressão.
“É uma batalha contra grandes conglomerados econômicos, que ganham muito dinheiro com anúncios, mas também uma batalha de cunho estético-político, de fazer com que as pessoas possam se expressar livremente”, afirma.
A Rádio Muda é um exemplo de criminalização. Segundo João Francisco, já houve várias tentativas de fechar a rádio ou lacrar equipamentos. Atualmente, parte das pessoas envolvidas na produção do veículo responde a dois processos judiciais, um na área criminal e outro na cível. O comunicador reclama da situação, pois considera que a rádio não causa interferências.
“É uma rádio de baixa potência, não há dano. A gente sempre buscou transmitir em uma frequência que não era usada por outro rádio. Isso é, a gente ocupava o espaço que estava vazio no espectro e a gente fazia a nossa transmissão”, disse.
Segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), os registros de processos dos últimos cinco anos mostram que 30 entidades autorizadas como rádio comunitária foram penalizadas devido à potência e 198 devido ao uso não autorizado de radiofrequência.
O número pode ser maior, se consideradas as livres, mas não há dados sistematizados que apontem quantas emissoras foram fechadas ou o total de equipamentos apreendidos. Também não há informação exata sobre o número de integrantes das associações responsáveis por esses veículos que acabou sendo processado por comunicar.
Segundo a organização Artigo 19, essa criminalização ocorre porque existem legislações que preveem sanções criminais para o exercício da radiodifusão. A organização também avalia que a situação decorre da política de fiscalização, que reprime a atividade, e do entendimento judicial de que contra ela devem ser aplicadas sanções criminais e não administrativas.
“A criminalização da rádio comunitária acaba acontecendo porque o juiz considera que, na possibilidade eventual de causar algum dano a outros meios, é justificável atribuir uma pena criminal a esse comunicador”, avalia a advogada da organização, Karina Ferreira.
Na opinião de Karina, as leis que tratam do tema, como o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, estão defasadas e não se referem diretamente à prática da rádio comunitária, mas sim ao exercício clandestino da prática de telecomunicações. Por isso, na opinião dela, essas leis não deveriam ser tomadas como base de um processo penal contra as emissoras.

*O nome foi alterado, a pedido do entrevistado. 

Agência Brasil